Todas as empresas têm a responsabilidade de garantir condições de trabalho dignas, promovendo a segurança e a saúde de seus colaboradores. Essa missão é cumprida pelo empregador através da implementação da Medicina do Trabalho.
A Medicina do Trabalho, além de ser uma exigência legal, traz inúmeros benefícios tanto para os trabalhadores como para as empresas. Ao promover um ambiente de trabalho saudável, ela contribui para a prevenção de doenças e acidentes, reduzindo o absentismo, as baixas médicas e as faltas ao trabalho. Como resultado, a produtividade é assegurada, beneficiando toda a organização.
Em Portugal, a Medicina do Trabalho desempenha um papel crucial na proteção e promoção da saúde ocupacional, refletindo-se na qualidade de vida dos trabalhadores e na eficiência das empresas.
Neste artigo, descubra a legislação que regulamenta a Medicina do Trabalho e como ela é aplicada nas empresas.
Medicina do Trabalho: o que é?
A Medicina do Trabalho ou Medicina Ocupacional é uma especialidade médica cujo objetivo é identificar riscos profissionais e prevenir as doenças ou acidentes que possam resultar do exercício da função profissional no local de trabalho.
Esta especialidade da medicina pretende promover a saúde física e mental e o bem-estar dos trabalhadores, dando um contributo para que se identifiquem e controlem os riscos profissionais. Este ramo da medicina deve ser reconhecido pela Ordem dos Médicos, sendo a sua implementação obrigatória e da responsabilidade das empresas com trabalhadores a cargo.
Medicina do trabalho: Como funciona?
A ação da Medicina do Trabalho consiste num acompanhamento regular dos trabalhadores para averiguar as condições de segurança e saúde no trabalho, potenciadoras de riscos para a saúde, através da realização de consultas generalistas e exames periódicos.
Através das consultas de medicina do trabalho, as equipas médicas incentivam ainda a adoção de condições mais saudáveis para a prática do trabalho, prevenindo, por sua vez, as doenças profissionais ou os acidentes de trabalho.
Periodicidade das consultas de medicina do trabalho:
- Admissão: antes do início das funções;
- Periódicas: a cada 2 anos para trabalhadores entre os 18 e os 50 anos, sem funções de risco;
- Anualmente: após os 50 anos, ou para qualquer trabalhador que desempenha funções de risco;
- Ocasionais: após baixa médica com mais de 30 dias, ou noutras circunstâncias a pedido, seja do trabalhador, seja da entidade.
Em alternativa, a periodicidade pode ser definida pelo médico do trabalho, tendo em conta a situação do trabalhador.
No seguimento das consultas, são gerados relatórios para conhecimento do empregador para que implemente as medidas propostas para melhorar a saúde e diminuir os riscos associados ao local de trabalho.
No final, é emitida ainda uma ficha de aptidão médica do trabalhador, que indicará quais as condições para o exercício da sua função (exclui dados sujeitos a sigilo profissional):
- Apto: nenhuma condição de saúde o impede de realizar a sua função;
- Apto condicionalmente: inclui restrições específicas (limitação de carga, por ex.);
- Inapto temporariamente: deixa de desempenhar as suas funções temporariamente. Receberá tratamento médico até estar apto para o trabalho;
- Inapto definitivamente: são identificadas situações permanentes ou crónicas que impedem definitivamente para aquela função. Devem encontrar-se alternativas.
Independentemente dos resultados de consultas e exames, a legislação já prevê atividades proibidas ou condicionadas a determinados trabalhadores (art. 48º e seguintes da Lei nº 102/2009 de 10 de setembro).
Veremos outros pontos que a legislação prevê em relação à Medicina do Trabalho.
Medicina do trabalho: qual a legislação aplicável?
Segundo a Pordata, nos seus dados relativamente a 2021, Portugal registou perto de 114 mil acidentes de trabalho graves, ocupando o quinto lugar entre os países europeus com mais acidentes graves ou que provocaram a morte ao trabalhador. A Alemanha estava na dianteira.
Apesar destes números mais recentes, Portugal registava, em 1994, um número mais elevado de acidentes de trabalho, ou seja, mais de 190 mil. O mesmo acontecia noutros países europeus, havendo a necessidade de alertar para esta matéria. Foi redigida a diretiva n.º 89/391/CEE, que incitava à melhoria das condições de segurança e saúde no ambiente de trabalho.
A sua transposição para a legislação portuguesa, através do Decreto-Lei nº 441/91 de 14 de novembro, foi implementada em julho de 1992, obrigando as empresas a assegurar ao trabalhador condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho.
Posteriormente, em 2004, é criado o Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (ISHST), entidade pública responsável pela promoção da segurança, higiene, saúde e bem-estar no trabalho em Portugal.
Atualmente, a Medicina do Trabalho é regida pela Lei nº 102/2009 de 10 de setembro, aplicando-se os princípios presentes nos artigos 281º a 284º do Código do Trabalho.
Este ramo da medicina é obrigatório e da responsabilidade das empresas com trabalhadores a cargo, incluindo setor privado, cooperativo e social, pessoas coletivas sem fins lucrativos, trabalhadores independentes com funcionários e prestadores de trabalho que sejam economicamente dependentes do beneficiário da atividade.
Mas, a Medicina do Trabalho não se restringe a consultas e avaliações médicas do trabalhador. A sua atuação é muito mais abrangente.
Medicina do trabalho: Como as empresas se organizam?
A implementação da segurança ou da saúde no trabalho pode ser feita através de serviços dentro da empresa ou prestados por terceiros.
Serviço Interno
Departamento ou empresa do mesmo grupo: Para empresas com pelo menos 400 trabalhadores. Ou com 30 trabalhadores em risco elevado (construção, escavação, produtos químicos, explosivos, etc.).
Pelo próprio empregador ou um trabalhador com formação adequada: Com pelo menos 9 trabalhadores com risco não elevado, desde que não apresentem taxas de gravidade de acidentes superiores à média.
Serviço Comum
Acordo entre várias empresas ou estabelecimentos: Empresas que não se encontrem em relação de grupo.
Serviço Externo
Entidades externas: Estabelecem um contrato com o empregador. Os prestadores deste serviço carecem de autorização de funcionamento das entidades públicas competentes.
Há um grupo de trabalhadores que pode aceder ao Serviço Nacional de Saúde para a vigilância da sua saúde em relação ao trabalho desempenhado, pagando os respetivos encargos. Nele se incluem: os trabalhadores independentes, trabalhadores agrícolas sazonais e a termo, aprendizes de trabalho artesanal, alguns trabalhadores domésticos, alguns trabalhadores de pesca e trabalhadores de microempresas em atividades de baixo risco.
Independentemente do tipo de serviço que irá operar para implementar as medidas de segurança e saúde na empresa, as funções da Medicina do Trabalho são comuns a todos:
- Avaliar os riscos;
- Elaborar relatórios;
- Elaborar o plano de prevenção de riscos;
- Elaborar planos de prevenção e proteção;
- Participar na elaboração do plano de emergência;
- Colaborar na organização do trabalho e escolha e manutenção de equipamentos
- Supervisionar equipamentos de proteção e sinalização de segurança;
- Agendar exames de vigilância da saúde;
- Desenvolver atividades de promoção da saúde;
- Coordenar as medidas em caso de perigo grave;
- Vigiar as condições de trabalho;
- Conceber o programa de informação;
- Apoiar as atividade de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores para esta área;
- Elaborar as participações obrigatórias em caso de acidente ou doença profissional;
- Analisar causas de acidentes ou doenças e emitir os relatórios;
- Coordenar ou acompanhar auditorias e inspeções;
- Recolher e organizar dados estatísticos.
Em cada organização todos desempenham um papel fundamental e todos devem trabalhar para garantir a segurança e saúde no local de trabalho. Conheça as obrigações das empresas, assim como os direitos e deveres dos trabalhadores à luz da atual legislação.
Medicina do Trabalho: Obrigações das empresas
- Promoção da humanização do trabalho em condições de segurança e saúde;
- Avaliação e prevenção permanente dos riscos profissionais;
- Definição das condições técnicas de laboração, em função da natureza do trabalho e do grau dos riscos associados;
- Indicação de pessoa responsável pela segurança e saúde e suas obrigações;
- Promoção e vigilância da saúde do trabalhador;
- Investigação e identificação de novos fatores de risco no trabalho;
- Implementação de medidas para proteção do trabalhador e eliminação dos riscos e seus efeitos (escolha de equipamentos e métodos de trabalho que atenuem o trabalho repetitivo, por exemplo)
- Definição de um plano de ação perante riscos, como primeiros socorros, combate a incêndios, evacuação e outros identificados na sua organização, nomeando os trabalhadores responsáveis pela sua aplicação e contacto com entidades externas;
- Formação para a melhoria da segurança e saúde no trabalho;
- Garantia de todos os encargos para promoção e implementação das medidas relacionadas com a saúde no trabalho;
- Consulta dos trabalhadores ou dos seus representantes (art. 18º), pelo menos duas vezes por ano, sobre a avaliação de riscos, as medidas, a formação, o representante do empregador, os serviços exteriores à empresa, o equipamento de proteção, os riscos e a sua prevenção, lista anual e relatório dos acidentes de trabalho muito graves, entre outros;
- Informação a todos os trabalhadores sobre as instruções a seguir em caso de perigo grave e restantes medidas e seus responsáveis (na admissão, mudança de funções, novos equipamentos ou tecnologia etc.);
- Proporcionar condições para que os representantes dos trabalhadores recebam formação e desempenhem a sua função;
- Informação e formação dos trabalhadores no domínio da segurança e saúde no trabalho;
- Informação e consulta aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho ou, na sua falta, aos próprios trabalhadores;
- Garantia das condições de trabalho que salvaguardem a segurança, saúde física e mental dos trabalhadores;
- Desenvolvimento das condições técnicas que assegurem a aplicação de medidas de prevenção.
Cada empregador com trabalhadores a cargo tem a responsabilidade de garantir a segurança e saúde no trabalho de todos os seus colaboradores. Se o trabalho for realizado por trabalhadores temporários, provenientes de uma empresa de trabalho temporário, essas obrigações mantêm-se e são, inclusive, partilhadas pelas empresas envolvidas.
Medicina do Trabalho: Direitos e deveres dos trabalhadores
Direitos dos trabalhadores
- Direito à prestação do trabalho em condições que respeitem a sua segurança e saúde;
- Direito à formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho;
- Direito a eleger o representante dos trabalhadores para esta matéria (de 1 a 7 representantes tendo em conta o total de trabalhadores).
Deveres dos trabalhadores
- Cumprir com as instruções de segurança e saúde no trabalho, promovidas pela entidade patronal ou definidas em contrato coletivo de trabalho.
- Zelar pela sua própria segurança e saúde, bem como pela segurança e saúde de outros trabalhadores sob sua chefia ou coordenação;
- Utilizar corretamente, seguindo as instruções, máquinas e aparelhos, assim como os equipamentos de proteção coletiva e individual (ex.: capacete);
- Comparecer às consultas e exames determinados pelo médico do trabalho;
- Comunicar imediatamente avarias, deficiências ou defeitos de equipamentos que possam constituir perigo grave e iminente. Adotar as medidas necessárias.
O incumprimento das obrigações das empresas fica sujeito a coimas, podendo incorrer em responsabilidade civil. Os trabalhadores considerados culpados poderão incorrer em responsabilidade disciplinar e civil.
Em Portugal, a adesão às normas de Medicina do Trabalho demonstra um compromisso com a qualidade de vida dos trabalhadores e com o desenvolvimento sustentável das empresas. É imprescindível que os empregadores reconheçam a importância da Medicina do Trabalho e implementem as medidas necessárias para garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos.